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Depressão aspectos psicológicos

    Helena Cymerman Asnis

    Psicanalista e Psicóloga CRP 06/645

    1- Introdução

    Depressão é a chamada doença do século.
    Há cem anos atrás, com o advento das teorias de S. Freud, predominou a histeria. Hoje predomina a depressão.
    Com esse nome designa-se habitualmente o quadro clínico caracterizado pela presença da tristeza, auto-acusação, inibição psicomotora, visão pessimista da vida, etc.
    A queixa depressiva aparece em quase todas as consultas médicas ou psicológicas, para expressar uma impotência vital do fazer e do agir, assim como do sonhar e do pensar.
    Longe de ignorá-los, o psicólogo ou médico, deve procurar entender o que está se passando com o(a) paciente, bem como o que representa, naquele momento, a sua queixa ali, diante do profissional. Em geral, indica a expressão de um estado de impotência, de desamparo buscando apoio e acolhimento, por parte do ouvinte.

    2 – Origens da depressão

    O desamparo está ligado ao momento da instauração do psiquismo, ao chamado trauma do nascimento. A depressão estaria associada a este evento traumático da perda, que representa o nascimento. A separação do corpo da mãe expõe o eu do recém–nascido a ataques de duas origens: os estímulos do mundo externo e outro do mundo interno, representado pelas solicitações pulsionais. A situação vivida no útero, para o bebê, é de total segurança, passando então, após o nascimento, a sentir-se desamparado e impotente diante das solicitações que vêm tanto do mundo externo, como do interno. Do trauma surge a prostração e a vivência de desamparo que é o protótipo da depressão. A separação do corpo da mãe gera, no bebê, a sensação de um espaço vazio e o desejo de retornar ao ventre materno. Nesse momento inicia-se o trabalho do narcisismo, através da demanda pela mãe, para que lhe restitua a tranquilidade e a segurança que sentia no útero. Isto se processa através do contato íntimo com a mãe, do seu corpo, seu cheiro, seu rosto, seu olhar, além de seu seio. Esse período denominado de narcisismo primário é decisivo para o desenvolvimento da auto-estima da criança e do adulto: no contato com a mãe, processa-se um renascimento sob outros recursos pois o aparelho psíquico se constitui e amadurece.
    É de importância vital que a mãe, seja capaz de fornecer ao bebê os elementos necessários para auxiliá-lo no seu desenvolvimento psíquico. A falta desse contato, denominada por D.W. Winnicott de “holding” ou de “reverie”, por W.Bion, são fatores determinantes nas depressões futuras. Ambos os autores referem serem fundamentais os primeiros contatos mãe-bebê e a capacidade de acolhimento das angústias do recém nascido, por parte da mãe.
    Outro aspecto importante que surge, em decorrência do nascimento é o sentimento de perda, devido à separação da mãe.
    R. Spitz, psicólogo americano, fez um estudo acerca de bebês de 6 a 8 meses, que haviam tido bom contato com as mães e que depois foram separadas, permanecendo em uma instituição. De início ficaram chorões, depois retraídos. Esse retraimento se mantinha quando alguém se aproximava; perderam peso, não dormiam, apresentaram atraso no crescimento, além de propensão para doenças infecciosas. Em seguida ficavam com a expressão facial rígida, olhos muito abertos e inexpressivos.Estes sintomas também são comuns em adultos que apresentam quadro depressivo.
    A perda de objeto de amor pode ser também a perda do ideal de si mesmo.O ser humano toma a si mesmo, seu próprio corpo, como objeto de amor.Trata-se do predomínio do narcisismo,conceito baseado no mito de Narciso, ou seja aquele que só amava sua própria imagem. O narcisismo, segundo S. Freud, constitui uma etapa do desenvolvimento do indivíduo, mas na depressão há uma exacerbação dessas manifestações, com abandono de todo interesse e de todas as formas de investimento em objetivos ou idéias. Há falta de motivação até para continuar a viver, podendo chegar ao suicídio.
    Outro aspecto importante que surge na depressão é a tristeza, ligada à impossibilidade da realização de um desejo. E’ o sentimento que surge quando se sente como inalcançável ou irrealizável um desejo ao qual se está fixado. Pode ser representada pela morte de pessoa querida, no afastamento da mãe, separação, etc. A tristeza é uma gama de estados em que a dor psíquica se desencadeia, de acordo com a significação que determinada situação tem, para a pessoa. Ela costuma ser considerada como o elemento que põe em marcha os demais, tais como auto-acusação, inibição psicomotora, abulia, etc. Na realidade há uma interligação entre todos esses elementos, com predomínio de um ou de outro em maior proporção.
    Com a perda do objeto surge o período de luto, que pode se estender por longo tempo predominando sentimentos agressivos contra si mesmo ou contra o objeto perdido. Surge também a melancolia. Há um desinteresse pelo mundo, um desânimo intenso, diminuindo a capacidade de amar e ser amado acrescido de uma perturbação na auto-estima. A isto se acrescenta uma inibição de toda e qualquer atividade. No luto a perda está mais ligada à realidade, enquanto na melancolia está mais ligada às fantasias. No luto o mundo se torna pobre e vazio. Na melancolia, a própria pessoa se sente vazia, rebaixando a própria auto-estima.
    Por estar fixado a um desejo irrealizável, qual seja a recuperação do objeto perdido, toda a sua ação fica limitada, tendo todo seu espaço mental tomado e girando em torno disso; o desaparecimento da motivação, decorre do fato de não conseguir realizar seu desejo, qual seja recuperar o que perdeu. Esta situação pode levar o indivíduo a um imobilismo, sem choro e sem queixumes. Sentimentos de culpa, auto-acusações, agressão ao meio ambiente e auto-agressões, na forma máxima, através do suicídio são os outros elementos importantes na depressão.

    3 – Evolução no ciclo vital.

    Os aspectos aqui apresentados como manifestações da depressão são observados em todos os seres humanos. Assim sendo, por razões ligadas à personalidade de cada um e aos acontecimentos durante a vida podemos observar maior ou menor probabilidade de desenvolver um quadro depressivo. Algumas pessoas enfrentam as frustrações, os traumatismos, as perdas, durante a vida com mais sofrimento.Outros têm maior tolerância aos acontecimentos desprazerosos, ou seja, toleram melhor a frustração. Devem ser ressaltadas as características individuais de cada um, assim como as circunstâncias em que vivem. Além disso determinadas fases da vida são mais difíceis do que outras,exigindo um esforço maior de adaptação. A vida com o passar dos anos se torna mais complexa, mais difícil, acarretando problemas de ordem física, econômica e social. Nisso tudo o que me parece ser fundamental é a possibilidade de buscar recursos terapêuticos a fim de viver melhor. No caso das depressões, é fundamental o acompanhamento psicológico e,se necessário for, um acompanhamento psiquiátrico associado. É preciso tomar contato com a dor psíquica, com o que se passa interiormente e não apenas atribuir a causa do sofrimento ou os problemas aos fatos externos.
    Estudos recentes indicam que a presença de depressão pode ser o indício da existência de doenças neurológicas ainda não manifestas. Portanto, quanto mais cedo se der atenção aos sintomas da depressão, menor será o sofrimento do paciente e maiores as chances de uma vida melhor.

    Bibliografia
    1 – Zimerman, David E.-Fundamentos Psicanalíticos, teoria e técnica- ArtMed-Porto Alegre, 1999
    2 – Ey,Henry; Bernard,P.; Brisset,C.Manual de Psiquiatria-5a Edição- Masson-Atheneu

    PALESTRA PROFERIDA NA ASSOCIAÇÃO DE FAMÍLIAS DE ROTARIANOS DE SANTOS
    AGOSTO DE 2002