Maria Luiza Dias
Quando as dificuldades na convivência conjugal se tornam insustentáveis é usual que a separação apareça como o caminho para um alívio imediato. Em seguida, o casal se dá conta de que ganha novos tipos de problema…
Lidar com certas perdas, com os aspectos bons que não se quer deixar e com uma certa ambivalência de sentimentos, não é simples. Além do que, mesmo para se separar, é preciso resolver os conflitos que atrapalham a vida conjugal, sobretudo se o casal tiver filhos. Afinal, não só se terá que decidir sobre a divisão dos pertences, mas também sobre a educação dos filhos e outras questões relacionadas ao futuro de todos.
Poucos casais em fase de separação conseguem tratar do processo com franqueza e colaboração. Não é raro os filhos presenciarem as brigas e serem utilizados como pombos-correio entre os pais, ou por vezes, serem até veículo de agressão de um para o outro, o que só os tornam mais confusos.
Se uma pessoa não compreende ao certo o que se passa e não supera as dificuldades de um casamento, pode acabar repetindo várias uniões de estrutura idêntica, como uma tentativa de resolver algo que na verdade é de seu próprio psiquismo, buscando desesperadamente uma solução através de sua contínua repetição na relação com diferentes cônjuges.
Um homem que deseja vorazmente se sentir amado pode, por exemplo, incompreensivelmente, ligar-se a mulheres esquivas e arredias, apesar de desejar justamente o oposto no seu discurso consciente.
É possível imaginar a situação inversa: uma pessoa que, apesar de reclamar grande parte do tempo do(a) parceiro(a), nunca é capaz de desfazer-se dele(a). Para uma mulher espancada, ou que tem um marido alcoolista, não pode ser uma saída a separação? É preciso refletir sobre o por que ela se submete e mantém a situação.
Talvez, o outro represente nada mais que um pedaço de si mesmo. Como se a temporalidade não transcorresse, algo muito antigo se atualizasse continuamente nas relações supostamente mais adultas, pedindo uma nova acomodação. Como se houvesse algo maior que o próprio sujeito, que ele não consegue manter sob seu domínio consciente e que interfere em suas intenções aparentes.
Assim, conflitos precisam ser aconchegados, revividos e resolvidos e é nas experiências do passado que o casal obterá as chaves de saída do labirinto, seja pela superação dos problemas do casamento, seja pelo amadurecimento da decisão de separação
Como ficam os filhos?
No caso de uma separação mal resolvida, os filhos acabam por sofrer conseqüências ruins, pois dificilmente o casal conseguirá falar da separação de forma clara, esclarecendo sobre como será dali para frente, assegurando o afeto de ambos e alterando o mínimo possível o cotidiano dos filhos, num período que já impõe muitas mudanças.
Filhos envolvidos em brigas tenderão a tomar partido, a sentirem-se culpados e ameaçados de perderem intimidade com um dos pais, ou com ambos.
Separação não é apenas separar casas: implica em elaborar as experiências emocionais que rondam a vida afetiva do casal. Existem muitos casais que concluem a “separação de corpos”, mas que se relacionam como se ainda estivessem completamente aprisionados um ao outro.
É usual a crença de que o amor marca a ligação entre duas pessoas, mas normalmente se esquece de que o ódio é sua contrapartida. Muitas pessoas acreditam que por sentirem muita raiva do(a) ex-parceiro(a), já não têm mais nada um a ver com o outro.
Não se pode esquecer de que um indivíduo só se dá ao trabalho de odiar a quem no fundo considera. Do contrário, os acontecimentos não teriam poder de assumir tal importância na sua vida psíquica. Uma cara feia seria apenas uma cara feia, não teria o poder de transtorná-lo.
Fica difícil tolerar que o outro vá morrendo dentro de si mesmo, pois inevitavelmente seria a mais clara confirmação de que se está morrendo também para o outro.
Quando as pequenas coisas ficam carregadas de afeto, como para decidir com quem ficam os discos ou a que horas se pode pegar o filho, é sinal de que o problema não está aí, pois certamente ambos teriam capacidade para argumentar e chegar a um acordo.
Muitas vezes, respostas simples podem estar carregando outras múltiplas mensagens e aí a comunicação se complica. Se não se pode conversar com clareza e objetividade, qualquer caminho será longo e confuso.
Imaginemos uma mulher que esteja dizendo a seu ex-marido: “Olhe, te telefono às 11:00 horas para dizer se o Júnior poderá estar à tarde com você. Dependerá da hora que eu puder buscá-lo na avó.” Tal fala aparentemente objetiva pode, na verdade, estar dizendo coisas como: “Agora sou eu que avalio se você merece vê-lo” ou “Dependerá de você concordar com o aumento de pensão e demais coisas que quero.”
Os filhos são, com isso, as principais vítimas da falta de maturidade dos pais. E ainda com pouca idade: existem dados que mostram que a maioria das separações ocorre antes de 10 anos de casamento e que, por isso, a maioria dos separados têm filhos menores de idade.
Deste modo, dependeriam de que os pais pudessem lhe emprestar algumas habilidades necessárias para lidar com certos eventos e que eles não tiveram ainda tempo de desenvolver em si mesmos.
Como fazê-lo, se os próprios pais não desenvolveram tais recursos em si próprios e não podem, por isso, oferecer um modelo? Será um caminho muito solitário se o filho quiser tentar.
Por exemplo, um adolescente que começa a namorar e passou grande parte de sua vida observando pais ríspidos e rabugentos, provavelmente, não terá repertório interno para tentar uma relação mais carinhosa, próxima e afetuosa. Não é fácil oferecer o que não se teve.
Talvez por aí se explique a frase freqüentemente dita por ocasião da separação: “Tenho que conquistar o meu espaço!” Ela sugere que antes e durante o casamento, vivia-se o espaço de outrem – atendendo ao desejo dos pais e, posteriormente, estendendo isso ao parceiro.
O que se coloca aqui é uma questão de formação da própria identidade e de crescimento pessoal, que precisariam ser minimamente garantidos em fase anterior ao casamento. A impressão que este casal dá é que saíram ambos os parceiros a fazer alguma coisa sem antes se darem um tempo para perceber melhor quem era um e outro.
É estranho que o outro, num determinado momento, apareça como obstáculo a ser removido para que transcorra o desenvolvimento pessoal de cada um. Por que é necessário se separarem? Por que não cabem na relação e não podem caminhar lado a lado em colaboração?
Isto sugere que ambos estejam ainda absortos nas questões pessoais e na busca de um “eu”, o que torna difícil lidar com um outro diferente, ou ainda cuidar de um outro necessitado, no caso de haver filhos.
Assim, desmistifica-se outra crença corriqueira de que filhos de pais separados serão problemáticos. “Filhos-problema” independem da situação conjugal dos pais, mas dependem do nível de maturidade de que o casal dispõe para o relacionamento em família.
A separação pode contribuir para um crescimento mútuo quando ambos os parceiros buscam uma identidade pessoal, que sentem ainda não terem sedimentado, e que depende da tomada de um caminho mais próprio, que exclui o outro e seus projetos. Nesta linha, a separação aparece como uma vivência criativa.
O divórcio, quando é o caso, deve ser preparado de forma madura, assumindo cada um dos cônjuges sua parte de responsabilidade nos sucessos e fracassos da relação, lidando com as perdas e seus lutos correspondentes, além de cultivar e preservar uma boa cooperação no que se refere à educação dos filhos.
Construção implica em investimento
Se não há um projeto comum ao casal, se não é mais possível, então, manter-se a relação, o caminho para as mudanças precisa ser planejado, dirigido e acomodado. Não se trata mais de se manter o mito do “casal perfeito/ nota 10” como antigamente.
Hoje, os conflitos são mais assumidos e não se difunde mais, pelo menos não mais como antes, o preconceito com os filhos de pais separados, de que a mulher desquitada também era vítima. No mundo atual, uma criança filha de pais separados, quando vai à escola, com certeza encontra outras crianças na mesma condição.
Quando o casal com conflitos se separa, e o faz com maturidade, está também oferecendo um modelo de busca de felicidade, de existência de critérios, um modelo mais autêntico, menos de “faz-de-conta”. A legalização do divórcio no Brasil veio atender a um movimento da sociedade em busca de relações mais verdadeiras.
A separação, como qualquer outra decisão na vida, precisa ser refletida, compreendida, planejada com responsabilidade. Não cabe recorrer-se a ela de forma impulsiva em busca de alívio imediato. Os melhores caminhos, em geral, não são os mais fáceis.
A situação familiar futura será tanto mais confusa quanto mais violentas forem as brigas, e quanto mais complicado for o rompimento. O fim abrupto de uma relação impede que a crise seja transformada pelo casal em um momento de reelaboração do vínculo.
No casal conflituoso, os parceiros competem, defendem veementemente suas idéias, por vezes bem parciais. Cultiva-se muita mágoa, cria-se uma relação de oposição, que certamente tensionarão a relação com os filhos.
Uma relação melhor resolvida previniria a reprodução destes velhos conflitos nas novas relações. É importante abrir mão da relação de poder, das percepções auto-centradas, da preguiça à compreensão!
Infelizmente, poucos casais conseguem se desligar de forma mais construtiva, uma vez que, se tivessem recursos para isso, é possível que nem chegassem a se separar. Poderiam Ter colocado tais recursos a serviço de compreender e ajeitar os conflitos vividos durante o período do casamento, por exemplo, através do diálogo franco e colaborador.
A psicoterapia de casal e família pode ser de grande ajuda em qualquer etapa desse processo. Claro que se pensarmos de maneira preventiva, o ideal seria o casal lançar mão desse recurso no início do desencadeamento dos problemas, ou mesmo quando estão bem e querem compreender melhor alguns dos seus jeitos de funcionar.
Ocorre que muitos, por desinformação, preconceito, ou devido à crença de que um indivíduo deve ser forte e resolver seus problemas sozinho, buscam auxílio psicoterápico apenas quando já estão “nas últimas”, em grandes duelos e até sob a ameaça de separação.
Quando o casal consegue solicitar ajuda especializada, ganha a oportunidade de desfrutar de um espaço mais continente e neutro, onde os conflitos podem ser dramatizados, aconchegados e analisados. O terapeuta auxiliará os membros do casal a refazer os elos de ligação entre os eventos, compreendidos dentro das histórias individuais nas famílias de origem e na história da relação.
Não funcionará, com isso, como juiz ou um pai que aparta irmãos briguentos, uma vez que entende que tudo que acontece numa relação de casal é gerado a dois. Isso vale para os sucessos e fracassos, pois cada um, sem dúvida, tem parte de responsabilidade no produto, ainda que a participação de um dos membros do casal no resultado não seja nítida.
Mesmo que o casal em psicoterapia decida se separar, o trabalho poderá auxiliar no amadurecimento da decisão e no enfrentamento das emoções ligadas à separação.
Isto é particularmente importante no casal com filhos, que ainda manterá um vínculo enquanto pais, após a separação. Todos podem ser auxiliados a lidar com a nova situação. Afinal, estes mesmos filhos serão, no futuro, os provedores de novas unidades familiares.
O mais freqüente, contudo, é que o casal que se submete a uma psicoterapia conjunta, acabe reconstruindo o vínculo em novo patamar e dissolvendo conflitos. Se o mal-estar se vai, não sobra muito motivo para se separarem, além de que, abre-se o caminho para uma relação mais prazerosa.
Artigo publicado na Revista Viver Psicologia, Ano I, no 2, págs. 24-27, 1992.