Sandra Regina Borges dos Santos
Um dos modos pelos quais os relacionamentos sociais modulam nossa psicologia interna é que eles influenciam as interpretações cognitivo-emocionais dos estímulos, que por sua vez influenciam a atividade neuroendócrina, via os centros límbico e do neocórtex. Este processamento de informações resulta em respostas emocionais e comportamentais de medo e ansiedade, com seus padrões de estímulo neuroendócrino presentes em todo o corpo.
Devemos levar em conta certos fatores como a genética e a experiência anterior quando consideramos o processamento cerebral dos estímulos, mas podemos nos perguntar: até onde o social influencia o processo e a interpretação de novos dados do ambiente externo ou interno? Uma hipótese é que o ambiente social influencia a frequência relativa com a qual o processamento cerebral das informações resulta em estados emocionais, tais como medo ou ansiedade e suas características associadas de excitação neuroendócrina. Os resultados de algumas pesquisas ajudam a pensar nesta hipótese como uma probabilidade viável.
Alguns estudos mostraram associações existentes entre níveis mais altos de apoio social relatado e níveis mais baixos de batimento cardíaco, pressão sanguínea sistólica, colesterol e ácido úrico. Um estudo realizado por Seeman et al. (1994) com um grupo de homens e mulheres idosos em bom estado de saúde, comparou os efeitos das medidas dos laços sociais (tamanho da rede social, estado civil etc.) com medidas maisqualitativas de apoio social (níveis da rede de apoio emocional e/ou instrumental),segundo três parâmetros neuroendócrinos (cortisol urinário, norepinefrina eepinefrina) medidos por um período de 12 horas. Os resultados mostraram quehouve uma diferença significativa segundo o gênero. Os homens, ajustados poridade, condições crônicas, peso relativo, tabagismo e medicamentos, revelaram queuma média maior de apoio emocional tinha associações mais fortes com níveis maisbaixos dos três parâmetros neuroendócrinos. Estas mesmas medidas nãomostraram associações significativas para as mulheres, embora as casadastivessem níveis significativamente menores de epinefrina. Uma razão possível paraisso pode residir no fato de que as mulheres que reportaram níveis mais altos deinteração social negativa conjugal tinham níveis mais altos de cortisol urinário, o quesugere que qualquer benefício que tenham recebido da rede de apoio emocionalpode ter sido contrabalançado pelo aumento de suas respostas neuroendócrinas aos aspectos negativos de suas interações conjugais.
Estes resultados sugerem que as mulheres podem ser psicologicamente maisreativas às interações sociais negativas, talvez particularmente aquelas interaçõescom outros significativos. Um estudo realizado por Kiecolt-Gläser et al. (1997)sugere que essa suposição pode ser verdadeira; este estudo examinava os padrõesde atividade neuroendócrina durante uma discussão entre marido e mulher comlaços conjugais considerados conflituosos. Os vídeos feitos das discussões foramusados para examinar casais que exibissem níveis altos ou baixos de interaçõesmatrimoniais negativas (críticas, interrupções, humilhações, desacordos) duranteuma tarefa de resolução de conflito. Do mesmo modo que o estudo de Seeman et al.(1994), houve diferenças relativas ao gênero. Não se observaram diferenças nareatividade dos homens em relação ao nível de interação negativa durante a tarefade resolução de conflito, embora os níveis de atividade neuroendócrina aumentassem em resposta à tarefa de resolução do conflito. Entretanto, entre asmulheres, havia uma diferença na reatividade fisiológica na tarefa de resolução deconflito que dependia do nível real de interações matrimoniais negativas durante atarefa: as mulheres expostas a interações mais negativas exibiam níveis mais altosde atividade neuroendócrina. Estas mesmas mulheres também exibiam níveisiniciais elevados dessa atividade antes da tarefa de resolução de conflito, o quepode sugerir que elas tenham antecipado (baseadas em experiências anteriorescom seus parceiros) o que estava por vir em termos da probabilidade da ocorrênciade tais interações negativas.
O estresse psicossocial ou a falta de previsibilidade e de controle sobre oambiente social pode levar o indivíduo a ter uma elevação da atividade neuroendócrinae à deterioração da saúde. Emcontraste, uma vasta gama de fenômenos de ligação social, incluindo os efeitospositivos das amizades e das redes sociais para sobreviver às doenças e acidentescardiovasculares e os efeitos positivos do casamento sobrea longevidade, corroboram a hipótese de que a interaçãosocial positiva pode melhorar a saúde e o bem-estar.
Apoio social e gênero
Os homens recebem menos apoio social do queas mulheres. Este fatopode ser interpretado dealguns modos: enquanto os homens dependem primariamente de suas esposas para apoio, as mulheres dependem de uma variedade de fontes, incluindo amigos, parentes e vizinhos.
Os homens são socializados para apresentarem a aparência de domínio econtrole; assim, quando encontram problemas, podem relutar em contar para osoutros que estão em dificuldades. A estratégia mais frequente utilizada pelos homens para solicitar apoio social de outra pessoa é descrever o problema que está causando estresse. Uma segunda estratégia para eliciar apoio é descrever seu estado emocional, ou seja, descrever o stress que está experimentando.
A expressão das emoções entre os homens caracteriza-se comoaltamente restrita, pois eles podem achar difícil, embaraçador ou inapropriado expressar emoções como medo, dúvida, ansiedade e tristeza, porque estas seriam vistas pelos membros de sua rede social como sinais de necessidade de apoio e existem evidências de que a expressão de estresse emocional pelos homens pode ser punida pelos membros da rede. Weiss (1985) confirmou que o ambiente parece punir ou proibir a mostra de emoções, exceto a raiva no ambiente de trabalho. Se um homem tenta buscar apoio, pode ser rejeitado, afastado oureprimido por seus colegas, por expressar extrema vulnerabilidade.
Assim, presume-se que os homens resolvam o dilema das proibições culturaiscontra comportamentos públicos que sinalizem a necessidade de apoio social aolimitarem tais comportamentos para ambientes privados, especialmente o lar.
Enquanto as mulheres podem procurar o apoio social dos amigos e da família, oshomens podem não ter, ou podem não acreditar que têm, a opção de procurar oapoio de outras fontes, além de sua parceira conjugal.
As mulheres têm mais probabilidade de terem relacionamentos íntimos deconfiança com pessoas fora do relacionamento conjugal do que os homens. Elas diferem deles particularmentena natureza de suas relações e na disponibilidade de apoio dos amigos. Para umamulher com uma rede de apoio rica e variada, a ausência de um parceiro conjugalnão a deixa sem fontes de apoio. Se ela possui uma variedade de fontes de apoio,pode até escolher fontes específicas para tipos específicos de apoio. Por exemplo,ela pode precisar de um amigo íntimo que é especialmente bom ouvinte quandonecessita falar sobre suas dores ou frustrações; ou pode precisar da mãe paraum conselho sobre como lidar com os problemas de comportamento de uma criança;ou pode precisar de um colega para validar a insatisfação com algum aspecto do trabalho.
Embora as mulheres tenham fontes alternativas de apoio social, parecempagar um alto preço por elas; não só gozam dos benefícios de múltiplosfornecedores de apoio, mas também carregam o peso das múltiplasresponsabilidades de apoio. Uma razão pela qual as mulheres têmincidências maiores de depressão parece ser o fato de que seu humor é afetado não só pelo estresse de suas próprias vidas, mas também pelo estresse das vidas daqueles que fazem parte de suas redes sociais: família, amigos, colegas do trabalho.
Algumas pesquisas ainda firmam que os homens recebem mais apoio social de suas esposas do que as mulheres recebem de seus maridos. Mais do que isso, o apoio que as mulheres fornecem parece promover mais o enfrentamento e o bem-estar.
Alguns estudos que examinavam os comportamentos deapoio trocadosdurante interações em laboratório não encontraram diferenças na habilidade de fornecer apoio conjugal positivo, na quantidade ou no tipo de apoio que maridos e esposas fornecem a seus parceiros, parece que maridos e esposas podem diferir em sua responsividade àmudança de necessidade do cônjuge ao longo do tempo.
Uma conclusão largamente aceita na literatura de apoiosocial éque existeuma “lacuna de apoio” nas relações conjugais, na qual os homens recebem maisapoio nocasamento do que as mulheres. Como resultado, o casamento pode não fornecer as mesmas ricas fontes de apoio social para as mulheres que fornece aos homens.
O casamento oferece aos indivíduos oportunidades múltiplas de fornecer apoio ao cônjuge. Compreender os processos de apoio no casamento é complicado pelo fatode que, ao longo do tempo, oscônjuges vão experienciar flutuações nas dificuldades que enfrentam e podem requerer variadas quantidades de apoio do parceiro. Para serem efetivos no apoio ao parceiro, os cônjuges devem saber não sócomo dar apoio positivo aos parceiros, mas também como ajustar continuamentesua provisão de apoio em resposta às mudanças do parceiro ao longo do casamento. A partir desta perspectiva, apoiar o parceiro com sucesso envolvefornecer a ele apoio positivo e fornecer este apoio em épocas quandopresumivelmente ele é mais necessário, ou seja, quando o cônjuge experimentamaiores dificuldades.
Referências Bibliográficas:
Kiecolt-Glaser, J. K.;Glaser, R.;Cacioppo, J. T. et al.: Marital conflict in olderadults: Endocrinologicalandimmunological correlates. Psychosom. Med. 59:339-349, 1997.
Seeman, T. E.; Berkman, L. F.; Blazer, D.; Rowe, J. W. Social ties and support and neuroendocrine function: The MacArthur studies of successful aging. Ann. Behav. Med. 16: 95–106, 1994.
Weiss, R. S. Men and the Family. Family Process 24, (March), pp. 49-58, 1985.